Indicamos aqui uma entrevista feita pelo PNLL (Política Nacional do Livro e da Leitura) com Ezequiel Theodoro. Escritor e Pedagogo, Ezequiel Theodoro é mestre em educação pela Universidade de Miami e doutor em educação (psicologia da educação) pela PUC-SP. Sócio fundador e presidente de honra da Associação de Leitura do Brasil – ALB (biênio 2007-2008), também exerceu o cargo de secretário municipal de Educação de Campinas.
Para saber mais informações sobre o PNLL acessem o site: http://www.pnll.gov.br/
Nesta entrevista para o PNLL, Ezequiel conta como foi o III Encontro dos Dirigentes dos PNLL no Chile e os preparativos para o próximo COLE.
- O senhor acaba de retornar do Chile, onde participou do III Encontro dos Dirigentes dos PNLL. Qual o panorama atual da leitura no contexto ibero-americano? Houve alguma mudança significativa nos últimos anos?
Catorze países apresentaram os seus Planos Nacionais de Leitura e dois, os seus programas em fase de desenvolvimento, que poderão vir a ser Planos Nacionais. A mim me pareceu que existe uma forte preocupação em vencer os desafios que ainda persistem no campo da leitura e, ao lado disto, uma vigorosa redefinição - ou adensamento - da concepção de leitura, colocando-a no quadro dos direitos de cidadania e alçando-a à categoria dos processos educativos que são fundamentais ao desenvolvimento dos países. Cabe destacar a atmosfera de cooperação e intercâmbio que preponderou ao longo das reuniões, o que permite antever o nascimento de planos coletivos, cooperativos, colaborativos, para estudar mais profundamente os problemas existentes nas várias regiões ibero-americanas. Depois de presenciar todas as exposições e participar dos debates, não me restou dúvida sobre a existência de avanços e mudanças, para melhor, na maioria dos países participantes do encontro.
- Como o senhor avalia a situação brasileira em comparação aos outros países ibero-americanos?
Não ficamos devendo nada a nenhum deles, com exceção, talvez, da Argentina, que possui uma rede capilarizada e centenária de bibliotecas populares por todo o país e vários programas para a promoção da leitura, unindo dinamicamente educação e cultura. Segundo pude constatar, o nosso PNLL é um "modelo" para vários planos nacionais de leitura. Não posso deixar de relatar o carinho e o respeito que os participantes demonstraram por José Castilho, cujas intervenções foram magníficas ao longo de todo o encontro. Os programas que mais me impactaram foram: (1) o do Uruguai: o governo daquele país doou um laptop para cada estudante das escolas públicas e estabeleceu uma imensa rede de conexão à Internet por todos os cantos do país, incluindo a zona rural. Acredito que os resultados desse esforço serão sentidos a curtíssimo prazo; (2) o de Portugal, com um programa focado em bebês e crianças em idade de jardim de infância, envolvendo a orientação de país para dinamizar o livro e promover a leitura; e (3) o do Chile, que criou um personagem chamado "Leo" para fazer a difusão da leitura na mídia - sem dúvida um programa abrangente e ramificado, que deixará resíduos positivos para a formação de leitores.
- A ALB existe desde o começo dos anos 80 e o senhor está lá desde o início. Quais eram as metas naquela época e quais os desafios de hoje?
A meta básica não mudou em nada: continua sendo a "democratização da leitura no Brasil", pois a não-equidade e a injustiça social permanecem enraizadas em todas as esferas da sociedade brasileira. Patinamos durante muito tempo, fazendo uma política do livro desgarrada de políticas de leitura e o resultado está aí para a gente ver. Hoje em dia temos uma dívida social imensa no campo das práticas de leitura, principalmente da leitura da escrita (impressa ou virtual). E dentro de um panorama muito mais complexo, pois as novas tecnologias de informação modificaram significativamente os suportes e os modos de ler. Ainda acho que o desafio maior fica por conta do investimento em recursos humanos e em centros de difusão da leitura, capazes de gestar e operacionalizar uma revolução qualitativa nos vários quadrantes da leitura brasileira. A ALB e o COLE tentam, há 30 anos, contribuir para que a ciência avance, circule e sirva para orientar objetivamente as políticas de leitura em nosso país.
- A próxima edição do Cole é inspirada em uma frase do poeta Manuel de Barros, “o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”. O que precisamos transver para transformar o nosso país em uma sociedade leitora?
Transver criticamente o que nos falta para então de construir um terreno mais fértil e promissor para as práticas de leitura entre as classes sociais. Um terreno desigual em função das várias realidades que encontramos nas diferentes regiões brasileiras. A todo instante precisamos "ver-rever-transver" no sentido perceber com sensibilidade as necessidades educacionais, culturais e de leitura do nosso povo e projetar caminhos que levem os indivíduos para frente, evitando patinar ou retroceder. Temos autores, temos literatura, temos editoras de alto nível, mas falta-nos o desenvolvimento do outro pólo, o da leitura, para equilibrarmos a gangorra e chegarmos a uma sociedade leitora.
- Com a Web e outras mídias digitais, as pessoas irão ler mais? O estímulo à leitura hoje é um processo diferente de antes da explosão da Internet? Qual a sua avaliação dessas novas ferramentas para a divulgação da literatura e para a educação?
A escrita da Internet ainda é escrita, agora virtual. Esta escrita se soma às escritas manuscrita e impressa, abrindo perspectivas inusitadas para acesso aos múltiplos textos que encontramos nas e entre as sociedades do mundo contemporâneo. Em Santiago, no penúltimo dia do Encontro [dos Dirigentes dos PNLL], o pensador colombiano Jesus Martín-Barbero falou sobre a importância da linguagem digital e da multimídia no desenvolvimento dos leitores para a realidade de hoje. Inclusive, apresentou programas em que o ponto de partida é a análise crítica da mídia para, a partir daí, "escrever" a vida de uma outra forma. Hoje, convivemos com diferentes suportes e tecnologias da escrita e a educação não poderá nunca fugir a essa realidade, sob o risco de proporcionar um ensino obsoleto, fora do seu tempo. Isto não significa o abandono ou o esquecimento do livro e dos demais suportes impressos. Pelo contrário, o que defendo aqui é um ensino eclético, atualizado, que forme um leitor "redondo", capaz de uma convivência sadia com as várias escritas da atualidade, sabendo situar-se frente a todas elas em termos de conhecimento e usufruto.
- Qual a importância dos mediadores de leitura? Quais os aspectos que precisam ser trabalhados para consolidar o livro e a leitura no Brasil?
Pesquisas que venho realizando na Faculdade de Educação da Unicamp mostram que, infelizmente, os nossos mediadores de leitura, de pais a professores, estão lendo cada vez menos. Não é incomum encontrar professores com repertórios culturais reduzidíssimos, composto de fragmentos da cultura de massa. Cada vez mais frequentemente entram para o magistério pessoas que nunca leram um livro na vida ou que declaradamente afirmam não gostar de ler. Se tomarmos a leitura como um processo que qualifica as ações, reações e decisões de um sujeito, então veremos que é imprescindível que ele seja um alicerce para o trabalho de docência. Nestes termos, tomando os professores e bibliotecários como os principais agentes mediadores de leitura das sociedades contemporâneas, acredito que deveria existir um maior rigor nos processos de formação desses profissionais. Ao lado de uma formação rigorosa (básica e continuada) dos mediadores, temos que avançar muito na área das bibliotecas públicas e escolares e outras formas de difundir os artefatos da escrita e promover as práticas de leitura. Sem esse tipo de equilíbrio, regado com altos investimentos, não acredito em transformação, para melhor, da leitura no Brasil ou em qualquer outro país do mundo.